segunda-feira, 17 de março de 2008

"AR AO VENTO"



Nos meus trabalhos, onde as disciplinas da dança e do teatro entram normalmente em furiosa competição, às vezes começo por escrever para depois criar e encenar movimento, outras começo por criar movimentos ou acções, para finalmente escrever uma peça.

Trabalhando normalmente deslocada de uma lógica narrativa, ou de um sentido único e pleno, a utilização do movimento e da palavra (como materiais) servem-me principalmente para explorar o não-sentido, ou a acumulação de expressões contraditórias criando personagens essencialmente fragmentadas, partidas ao meio por duas lógicas incompatíveis – aquilo que se pensa ou que se diz, e aquilo que acontece ou que se faz.

Esta tem sido para mim uma das principais fontes de material dramático que tenho explorado no meu trabalho.

O sentido esse, deixo-o num espaço exterior à presença performática (ou à consciência do performer) para ser encontrado pelo espectador como um olhar uno sobre a fragmentação das personagens.


Desta vez, comecei por sentar-me a escrever.

E, no desejo de este texto se vir a tornar uma peça de teatro, sentei-me à frente do computador como quem se senta à frente do público. Perturbada pela expectativa que essa ideia despoletou em mim escrevi:

Bom, eu suporto sentar-me aqui à vossa frente, mas isso deve-se à minha enorme capacidade de abstração(...)

AR AO VENTO é um projecto para uma performance a solo que procura anular a representação, no sentido em que todos os acontecimentos em palco são consequências reais de um processo alimentado por uma teia de expectativas.
Através da expectativa que a ideia de performance induz em mim como performer, no público como alguém que veio ao teatro e na sala por ter um palco, este projecto irá desenvolver-se dentro da ténue fronteira que, em palco, distingue representação da realidade, jogando com as próprias convenções teatrais.
A expectativa essa, por não esperar nada em concreto, mostra-se na sua “forma pura” revelando ser, no entanto, um pungente impulsionador de discurso.

Este projecto teve a sua estreia em Berlim no Festival 100° no teatro HAU1, em Fevereiro deste ano. A sua estreia em Lisboa está prevista para 2 de Maio no Instituto Franco-Português

Concepção/texto/interpretação Lígia Soares Assistência de encenação Thierry Decottignies Música João Lucas

Apoio: GDA- Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes (apoio à residência)